sábado, 21 de julho de 2007

Irmã Nicole, Cap. VI

Às 8:15 Nicole saiu do apartamento de Virginia a passos apressados, com o rosto franzido, como se tivesse tratado de um assunto importante cujo resultado não tivesse sido o esperado. Foi dessa forma que chegou ao balcão da secretaria para pegar seus diários, depois de cumprimentar rapidamente Olga e Suzana.
Na verdade, Nicole recriminava-se por não ter sabido resistir ao assédio da subdiretora, permitindo que se consumasse o ato a que Irmã Virginia vinha discretamente se dedicando desde que se separaram. Não se conformava também com o fato de haver participado, usufruído plenamente dos prazeres proporcionados pelo encontro com Irmã Virginia, tornando-se uma presa fácil para ela. Chegou a tremer diante da possibilidade de reconhecer que, de certo modo, estivesse esperando pelo ocorrido. Irmã Virginia não tinha escolhido o horário por acaso. Nicole sabia disso. E, no entanto, permitiu que tudo acontecesse. Mas se recusava ainda a admitir que ela também estivesse querendo. Sentiu-se confusa. Não, não foi o incenso e toda aquela ambiência. Oh, meu Deus, que coisa ridícula. De qualquer modo, agora que ela já teve o que queria, não irá mais me incomodar. E, é evidente, se eu tivesse agido de outra maneira, mais cedo ou mais tarde Virginia daria um jeito para que Esther não tivesse essa oportunidade. Nicole corou ao admitir a idéia de que tivesse “comprado” a bolsa de estudos de Esther.

Naquele mesmo dia Francis chegou com Brian para buscar Esther. Agradava-lhe a constatação de que o relacionamento entre a filha e o namorado havia melhorado muito. Sobretudo, pensou, depois que a menina passou a ser reconhecida como a primeira aluna da escola.
-Tem umas caixinhas aí no banco. Empurre-as pro lado por favor, Eshter.
-Tá bem, Brian. Se você não fala, eu ia acabar sentando em cima.
-É mesmo, que caixinhas são essas, querido?, indagou Francis. Ia lhe perguntar quando entrei no carro, mas acabei esquecendo.
-Isso é um produto venenoso que fabricamos lá na indústria e comercializamos em pequena escala, respondeu Brian, virando-se para o banco de trás para conferir a posição das caixas.
-Então não deve dar lucro, já que não é grande a produção, observou Francis. Ou então dá lucro demais, porque deve ser caro.
-Não é um produto barato. Não tem uma saída tão grande. Mas há quem compre, prosseguiu Brian ao mesmo tempo em que saía com o veículo.
-Como é que uma indústria de produtos químicos como a sua, dona de um laboratório de renome, pode fabricar um produto para vendê-lo eventualmente, ainda que a preços elevados?, indagou de novo Francis, mostrando-se cada vez mais interessada.
-Como disse, há sempre quem compre. Não só aqui como no exterior, respondeu Brian, aparentemente sem pressa de que a conversa tomasse outro rumo.
-Mas afinal, que produto é esse? Posso saber?, foi a vez de Esther questionar.
-Pode sim, Estherzinha. Trata-se de cianureto de potássio, um composto químico altamente tóxico, respondeu Brian. Espero que fique longe disso, tá bem, menina?
-Nossa!. Irmã Nicole já falou a respeito. É um produto tóxico, capaz de provocar lesões ou alterações em um organismo vivo por reações químicas, não é, Brian?
-Muito bem. Estou vendo que você é esperta mesmo, hein?
-É muito perigoso. É veneno, mãe.
-Então, faça o que Brian diz. Mantenha-se afastada.
-Não se preocupe, querida. Essas caixas estão indo hoje ainda para Hong Kong. Vão completar o lote de 650 que começamos a encaminhar hoje de manhã.
-Para Hong Kong? Tem comprador pra isso lá?
-É a questão do comércio internacional de peixes ornamentais lá dos recifes de coral da região indo-pacífica, explicou Brian.
-E o que tem a ver o cianureto com isso?, quis saber Esther.
-A captura desses peixes é feita com cianureto, empregado para atordoá-los e capturá-los.
-E os coitadinhos não morrem, Brian?, perguntou outra vez Esther.
-As perdas são grandes. Mas como existem muitos barcos voltados para essa atividade predatória, a maioria baseados em Hong Kong, sempre se tem o que vender.
Brian estacionou o carro junto ao meio-fio, em frente ao prédio de paredes desbotadas onde mãe e filha moravam.
-Você não vai subir, querido?
-Hoje não, Francis. Preciso despachar agora à noite essas caixas para Hong Kong. Além do mais, estou vendo que tem muita menina interessada nesse produto.
-Pára com isso, Brian. Nada a ver, replicou Esther.
-Te vejo amanhã no almoço, Fran. Um beijo, Esther, disse Brian, despedindo-se das duas que já estavam na porta do prédio.
A sala do apartamento era a peça mais ampla. Um sofá de três lugares, duas poltronas, uma mesa para seis pessoas com tampo de vidro, uma estante repleta de livros, um aparelho de som moderno, dois quadros amarelados nas duas paredes opostas. Francis nem esperou Esther colocar sobre a mesa a mochila com o material do colégio. Na mesa, sobre uma toalha de renda cobrindo parcialmente o tampo de vidro, um vaso com uma plantinha que parecia murchar.
-Parece que você poderá ganhar uma bolsa de estudos integral. Sabia disso, minha filha?, perguntou Francis, dirigindo-se à cozinha para pegar um copo d’água.
-Quê história é essa, mãe? Alguma piada?
-Que nada, minha filha. A Irmã Nicole me disse que, em função do seu rendimento, você poderá ser aproveitada na secretaria do colégio. Seria algo assim como um estágio em que você teria a chance de testar os ensinamentos adquiridos nas aulas profissionalizantes. O que você acha?, perguntou Francis, molhando cuidadosamente a plantinha sobre a mesa.
-É, pode ser legal, respondeu Esther, aparentemente sem muito entusiasmo. Só não vejo o tempo que eu teria disponível para isso. A gente estuda até às quatro ou 4:30...
-Todo tempo vago ou ocioso que sua turma tivesse seria aproveitado por você nessa função. Além disso, as duas horas e meia ou três que você leva me esperando, seriam também consumidas desse modo.
-É, realmente fico um tempão esperando por você sem ter o que fazer, né mãe?, disse Esther, se dando conta de que seriam inúmeras as chances de ficar mais próxima de Nicole. Alegrou-se com a idéia de que aquilo pudesse ser o resultado de articulações da sua professora de Biologia.
-Se você viesse de ônibus, ficaria sem ter o que fazer em casa. O que acho pior.
-Ficaria estudando. E, depois, já sou grandezinha, né? E onde entra a bolsa de estudos nisso, mãe?
-É a sua remuneração. Muito bem-vinda, por sinal. Porque nos ajudaria muito.
-E você já tem a resposta?
-Irmã Nicole ficou de me avisar por esses dias. Quer dizer que tudo bem com você, se a resposta do colégio for positiva?
-É, né mãe... Vou pro sacrifício.
-Só não gostei muito de ter sido aventada a possibilidade de você dormir no colégio, em caso de muito trabalho na véspera de uma prova, um teste ou de outra atividade escolar de relevância. Nunca fiquei sem a minha criança.
-Seria bom pra você sentir um pouco a minha falta, e com isso me dar mais valor, retrucou Esther, com o pensamento às voltas com a chance de estar com Nicole até mesmo à noite.
Esther lembrou-se então de que, nesse dia, desde a primeira aula, às 8:30, Irmã Nicole mostrara-se arredia, evasiva. Parecia preocupada. Não lhe dera atenção após a aula. Não haviam se entreolhado. Nem mesmo ao final da tarde, quando ela sempre dava um jeito de vir até à biblioteca, tivera a chance de ouvir sua voz suave e olhar aqueles lábios grossos e gostosos de beijar. Protegida pelo volume da mochila sobre a mesa e se aproveitando de a mãe ter voltado à cozinha, levou a mão ao meio das pernas e se acariciou discretamente.
Se essa nova atividade tivesse início amanhã, certamente ela teria uma resposta para a repentina mudança de atitude de Nicole. Será que ela está se cansando de mim?
Verificou no transcorrer da semana que a conduta de Nicole naquele dia fazia parte de uma estratégia. Era preciso confundir as pessoas que as observavam. Ainda que algumas achassem que tinham certeza do que se passava.

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