sexta-feira, 6 de julho de 2007

Irmã Nicole, Cap. III

Embora tivesse à sua disposição uma escrivaninha na secretaria, Irmã Virginia utilizava-se muito da que tinha em um canto de seu quarto. Era ali praticamente o seu local de trabalho. Seu aposento constituía-se de uma sala, do amplo quarto e de um banheiro. Na verdade, quando não estava trabalhando, ela passava a maior parte do tempo no apartamento de Madre Louise, também de três peças, porém maior e mais confortável. Dormiam numa ampla cama de casal. Eram amantes, fato cuidadosamente escondido, como é próprio dos assuntos, no meio católico, que precisam permanecer desconhecidos. O que não era suficiente para que não houvesse especulações. Todavia, apenas Irmã Nicole sabia efetivamente de tudo.
Quando o telefone interno tocou no quarto de Madre Louise, era uma e meia da tarde daquela segunda-feira. As duas descansavam após o almoço. Estavam nuas na cama e a Superiora mantinha a boca ao alcance de um dos seios de Irmã Virginia, enquanto esta acariciava a coxa e anca da perna esquerda da madre dobrada sobre seu corpo. Irmã Virginia ouviu a voz fina de Olga anunciar a presença de Irmã Nicole na recepção.
-Quem é?, perguntou Madre Louise, já praticamente sobre Virginia.
-É Nicole. Quer falar comigo, respondeu Virginia, tapando o fone com uma das mãos.
-Mas logo agora! Diga que você está almoçando, ou descansando, ou sei lá o quê.
-Fale mais baixo, madre. A menina pode ouvir, retrucou Virginia, antes de voltar ao aparelho. Olga, peça-lhe que espere uns cinco minutinhos. Estou acabando o almoço.
-Está bem, irmã, está bem, respondeu Olga, percebendo pela voz de Virginia que seria melhor desligar.
-Você vai mesmo atendê-la, Virginia?, indagou de novo Madre Louise.
-Acho melhor, Louise. Nicole nunca vem aqui sem avisar. Deve ser algo importante.
-Será mais importante que isso?, perguntou a madre, cuja mão direita acariciava a vagina de Virginia, tentando penetrar-lhe com o dedo médio.
-Claro que não, você bem sabe. Mas sabe também que temos muito tempo pra isso. E que precisamos corresponder às expectativas das pessoas.
Percebendo que Madre Louise ouvia com atenção, Irmã Virginia aproveitou-se para, afastando-se da Superiora com delicadeza, levantar-se e se vestir rapidamente.
-Vou recebê-la em meu quarto, disse Irmã Virginia ao sair.
Madre Louise nada respondeu. Reconhecia que era mais inteligente deixar para o início da noite o que haviam começado. Embora soubesse que há muito tempo não havia uma aproximação como aquela após o almoço, momento que particularmente adorava. Não lhe passou também despercebido o interesse de Virginia em receber Nicole o mais rapidamente possível.
Logo em seguida, em seu quarto, após procurar no espelho por uma expressão de serenidade no rosto, Irmã Virginia interfonou para a recepção, solicitando que Irmã Nicole fosse encaminhada a seus aposentos.
-A que devo a honra dessa visita, Irmã Nicole?
-Vim roubar um pouquinho do seu tempo. Trata-se de uma decisão que pode ser muito importante para uma pequena família, Diretora.
-Você sabe que Madre Louise e eu sempre fomos muito sensíveis às suas postulações. Eu principalmente, em que pese esse seu jeito especial, às vezes rebelde, nem sempre muito compreensivo.
-Ora, Irmã Virgínia, não podemos fugir às nossas peculiaridades.
-Você poderia nos ajudar muito mais que ajuda e desfrutar de condições bem diferentes das que dispõe se fosse mais nossa amiga, principalmente a amiga e pessoa que você foi um dia pra mim, expressou-se Irmã Virginia de modo solene, de pé e segurando com as suas as duas mãos de Irmã Nicole.
-Já tivemos inúmeras discussões a esse respeito. Agradeceria bastante se você não me obrigasse a falar disso de novo.
-Tá bem, tá bem, Nicole. Como preferir. Em que posso servi-la?
-Não estou vindo pedir nada para mim. Todo mundo na escola sabe que a Esther é a melhor aluna de Biologia que tivemos em todos os tempos.
-É verdade. É realmente surpreendente. Isto sem deixar de ter bom aproveitamento também nas outras matérias, concordou Irmã Virginia.
-Todos sabem também que se trata de uma menina pobre, que a mãe tem que trabalhar muito para o sustento da casa e lhe proporcionar a educação que vem tendo.
-Sim. E daí?
-Tendo em vista o rendimento dela também nos cursos profissionalizantes, sobretudo em informática, pensei que ela pudesse ser aproveitada na secretaria da escola, ao lado das duas noviças que nem sempre dão conta de todo o serviço. O que às vezes traz transtorno até a nós do corpo docente, conforme você mesma já reconheceu.
-É verdade. Não é má idéia. O trabalho na secretaria às vezes acumula. Mas o problema é que não teríamos como pagá-la.
-Problema muito simples de ser resolvido. Basta que concedamos a ela uma bolsa de estudos integral.
-Bem, isso terá que ser conversado com Madre Louise. Nem sei se ela teria essa autonomia,
-É por isso que estou aqui. Para contar com a sua influência, seu discernimento, bom senso e noção de reconhecimento em relação ao valor das pessoas, disse Nicole, procurando convencer a Subdiretora.
-Tá bem, Nicole, tá bem. Deixe desse bla-bla-bla todo. Ainda essa semana te dou uma posição. Quanto à minha noção de reconhecimento em relação ao valor das pessoas, ninguém melhor que você para dizê-lo.
Nicole preferiu não responder. Ao sair, Nicole pode sentir os lábios quentes de Virginia em cada uma de suas faces, mas se apressou em fugir discretamente do abraço da Subdiretora.


A partir do fim-de-semana após o ocorrido na capela entre Irmã Nicole e Esther, Francis surpreendeu-se com a alegria e a satisfação constantemente demonstradas pela filha. Sem descuidar de suas leituras e deveres escolares, Esther atendia com presteza e entusiasmo aos pedidos da mãe para ajudar na cozinha ou colaborar com a limpeza do apartamento, o que nem sempre acontecia. Observou também que a filha tornara-se repentinamente mais carinhosa. Até mesmo a implicância com Brian havia desaparecido. A menina parecia estar sempre querendo que chegasse logo a segunda-feira.
-Essa tarde de domingo será só nossa, querida. Ninguém vai perturbar o nosso almoço, umas comprinhas no mall e o cinema no início da noite, tá bem?
-Está bem, mamãe. Mas não precisa preocupar-se comigo. Sempre tenho alguma coisa pra ler ou escrever. Se quiser, pode ir ver o Brian no domingo. Não me importo.
-Eu sei. Já me encontro com ele à hora do almoço durante a semana. Está de bom tamanho. Aliás, quero que você não se esqueça de que jamais trocaria a minha doçurinha por homem nenhum na vida, pelo menos até que você esteja em condições de caminhar pelo mundo com suas próprias pernas.
-Mais isso ainda vai demorar algum tempo, não é?, reagiu Esther.
-Teremos o tempo que for necessário, respondeu a mãe.


Na terça-feira seguinte, um dia após Irmã Nicole ter conversado com a Subdiretora, Francis deparou-se com a professora de Biologia no estacionamento ao se dirigir ao seu carro, depois de ter se despedido de Esther. A freira parecia aguardá-la.
-Como vai, Francis? Muito apressada para o trabalho?
-Vou bem, irmã. E a senhora? Meu horário é sempre apertadinho, respondeu Francis, um pouco surpreendida pela presença da irmã ali àquela hora.
-Será que teria uns cinco minutinhos pra mim?
-Claro, irmã. Um leve atraso em anos de trabalho não vai fazer diferença.
-Já pensou na possibilidade de Esther conseguir uma bolsa de estudos integral?
-Não, não havia pensado nisso. A gente se programa pra pagar tudo tão direitinho que nunca pensa na hipótese de deixar de pagar alguma coisa. Existe alguma chance, irmã?
-Você não tem visto as notas de sua filha? Ela não tem ao menos lhe contado?
-Verifiquei logo no início que as notas dela eram muito boas. É claro que a elogiei. Mas, em geral, apenas pergunto se está tudo bem. Como ela diz sempre que sim, não me preocupo. Sei que ela tem estudado bastante e que nunca se descuida de suas obrigações escolares. Às vezes até me intrigo com o interesse e a tamanha atenção que ela dá aos estudos, principalmente à sua matéria, respondeu Francis, discretamente olhando o relógio.
-Esther é simplesmente a melhor aluna que temos tido certamente nesses últimos cinco anos. Isso sem ser muito diferente de suas colegas. Nota-se apenas certa preferência por estar sozinha, o que não quer dizer que evite as amigas. Você está de parabéns. A garota é um fenômeno.
-Olha só! Não sabia nada disso. Muito obrigada. Ela quase não me fala sobre a escola. Fico muito contente.
-Foi com base nessa performance de Esther que decidi consultar a direção da escola sobre a possibilidade de lhe ser concedida uma bolsa de estudos integral. Se você me permite, isso seria uma grande contribuição para o orçamento da família, não acha?
-Mas é claro que sim. Oh, meu Deus, como ajudaria. Sobraria algum dinheirinho inclusive para ela mesma, respondeu Francis com um sorriso largo, aparentemente esquecida do horário. E já se tem a resposta, irmã?
-Não, ainda não. Ficaremos sabendo nessa semana. Para que o projeto tenha mais chances de se concretizar, sugeri que Esther ajude as meninas da secretaria. Enquanto estiver disponível, isto é, depois das aulas, até à hora em que você vem buscá-la. Isso servirá como uma espécie de estágio para sua filha, que tem tido um ótimo aproveitamento no Curso de Secretariado e nas aulas de Informática. Temos inclusive estrutura para ela dormir no colégio, se houver necessidade, em função de o acúmulo de trabalho na secretaria interferir eventualmente com uma atividade escolar de importância no dia seguinte. Já adotamos aqui o sistema de internato tempos atrás. Mas não é isso o que queremos para Esther. Aliás, a possibilidade de ela passar uma noite ou outra em nossa companhia, por mais recomendável que fosse, só se concretizaria com a sua anuência. É óbvio que não vamos querer separar mãe e filha. Alguma coisa em contrário, Francis?
-Não, claro que não, irmã. É ótima a idéia do aproveitamento dela em uma atividade que tenha a ver com o que ela estuda. Não há de ser uma carga horária pesada para uma menina de 16 anos. A concessão da bolsa integral em função disso é mais maravilhoso ainda. Sobre ela dormir na escola, acho que vou levar algum tempo para me acostumar com a idéia, ponderou Francis com um sorriso meio amarelado. De todo modo, parece que a senhora caiu do céu. Já falou sobre tudo isso com a Estherzinha?, perguntou, com os olhos transbordando ainda de excitação.
-Preferi primeiro saber a sua opinião. Acho que você, Francis, deve conversar com ela a respeito. Mas sem procurar convencê-la, apesar desse seu entusiasmo. Acho que já estamos bem longe dos cinco minutos que tínhamos. Você precisa ir agora.
-Ah, mas valeu à pena. Muito obrigada, irmã. Obrigada mesmo. Pode deixar que saberei como falar com Estherzinha.

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